Vaz, M.D. 2015. A SENHORA CLAP e o mundo na palma das mão.
EDITORA GRUPO PLANETA
A SENHORA CLAP e o mundo na palma das mãos, poderia começar assim:
As populações costeiras das Ilhas dos Mares do Sul, com muito raras exceções, são, ou eram antes da sua extinção, peritas em navegação e comércio. Algumas delas desenvolveram excelentes tipos de canoas de navegação em alto mar, nas quais embarcavam para expedições comerciais distantes ou incursões de guerra e conquista. Os Papua-Melanésios, que habitam a costa e as ilhas longínquas da Nova Guiné, não são exceção a esta regra. Trata-se, de um modo geral, de marinheiros corajosos, artesãos habilidosos e negociantes argutos, (Malinowsky, 1922 ), ou assim, qualquer pessoa que tenha vivido com tribos primitivas, que tenha partilhado as suas alegrias e tristezas, as suas privações e abundâncias, que veja nelas não apenas objetos de estudo a serem examinados, como células a um microscópio, mas seres humanos pensantes e com sentimentos, concordará que não existe uma ‘mente primitiva’, um modo de pensar ‘mágico’ ou ‘pré-lógico’, mas cada indivíduo numa sociedade ‘primitiva’ é um homem, uma mulher, uma criança da mesma espécie com o mesmo modo de pensar, sentir e agir que qualquer homem, mulher ou criança da nossa sociedade (Boas, 1927).
A SENHORA CLAP é uma antropóloga, e é sem cerimónia que vai utilizando a ferramenta etnográfica com delicado à vontade. Com um tique geertziano de descrição densa, minuciosamente, explica, ao longo de 58 páginas o significado de cada aplauso, num processo de tradução, de retroalimentação, quase tocando a teoria ator rede, do também, antropólogo B.Latour ((1947 - 67 anos). Não se limita a uma mera escolha de vocábulos, mas recorre aos únicos vocábulos para exprimir o que observa, numa amostra/campo ponderado de artesãos habilidosos. Navega num limite delicioso de um universo linguístico entre valores e representações simbólicas dos/nos momentos dos aplausos, quando está lá, entre o observador e o participante. Apaixonada pela sua amostra, qual etnógrafa , qual fieldwork apaixonável, não vê nela apenas objetos de estudo a ser examinado, como células a um microscópio, mas seres humanos pensantes e com sentimentos (Boas, 1972), mesmo quando vê nela apenas objetos de estudo a ser examinado, vestindo a camisola do antropólogo escritor de uma narrativa, reflexiva e multivocal.
Vai realocando, neste exercício etnográfico, as verdades de cada um de nós, e suas, sobre os diferentes momentos de um aplauso, questionando-os, dando-lhes tipologias semânticas/geográficas, numa constante mediação.
Nada fica ao caso, nesta etnografia, tão bem ilustrada por Alexandre Esgaio, entre uma narrativa de traço intrepertativo e pinceladas do diário de campo, todas eximiamente colocadas.
A SENHORA CLAP, como muitos antropólogos, ainda por cima escreve bem. A sua tradução não é uma mera busca dos vocábulos que possam exprimir aquilo que observa, mas o caminho doloroso para lá chegar.
A SENHORA CLAP e o mundo na palma das mãos, é um exercício académico sustentado numa descrição densa, inteligentemente apresentada, com diferentes graus de interpretação. A descrição por etapas, por camadas ( a conferência, a Ilha, o cinema), deixando abrir a porta para diferentes interpretações, densas ou superficiais, numa hierarquia estratificada de estruturas significantes nos termos dos quais determinadas ações são produzidas, percebidas e interpretadas e sem os quais não existiriam as mesmas ações, não interessando o que cada um fizesse.
Um olhar essencialmente, semiótico, numa colagem a Max Weber e a C. Geertz, quando defendem que, (...) o homem é um animal amarrado a uma teia de significados que ele próprio teceu, a SENHORA CLAP, assume a cultura do aplauso como essa teia e a sua analise, oferecendo-nos uma etnografia como uma ciência de sinal interpretativo, um sistema de símbolos entrelaçados que vai interpretando , colocando-os, singularmente, no seu contexto – algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível; sob a forma de uma descrição densa.
Os aplausos são, por isto, o contexto onde se podem ler os acontecimentos, à moda de Geertz, à moda da SENHORA CLAP.
Referências:
Geertz, C. 1973. Thick Description: Toward an Interpretive
Theory of Culture. En C. Geertz, & B. Books (Ed.), The Interpretation of
CulturesNY (págs. 3-30).
Sluka, J. R. (2007). Fiedwork in Cultural Anthropology: An
Introdution. En J. R. Sluka, Ethnographic fieldwork. An Antrophological
Reader (págs. 1-28). Oxford, UK: Blackwell Publishing.
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