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Pina Bausch




“... É um ritual de abertura e de boas-vindas, o de a cada manhã se reunirem em volta de um círculo imaginado, ao centro do qual cada um à vez irá mostrar aos outros com o corpo, sem palavras, a resposta às costumeiras perguntas:

Olá. Como estás hoje?
Tudo bem contigo?

Clara recusa-se a ir cumprimentar os colegas, afirma que:

–Hoje não posso dançar.

Todos se surpreendem. Após tantos meses juntos, é já evidente para todos que trazer o café pode ser uma forma perfeitamente válida de dançar; contar uma história pode ser uma forma de dançar; desenhar um sol com um sorriso sobre o gesso pode ser uma forma perfeitamente válida de ela dançar. Até mesmo dançar, pode ser uma ótima forma de dançar.
     Nesta recusa Ella como começa a ter Clara no ponto onde lhe interessa ter Clara. Percebe como o tornozelo luxado não é um azar desatento, mas sim o corpo dela a anunciar algo, qualquer coisa que se quer finalmente dar a ver. Insiste com ela para que vá ao centro:

–Diz-nos, Clara, como estás? Quem és hoje? Como és hoje?
Clara recusa-se.
Ella anuncia que ninguém sairá dali até Clara ir ao centro. Clara começa a chorar , queixa-se de não saber o que dançar, ou quem veio dançar:

–Hoje não sou nada! Agora não sou ninguém!

Ella entusiasma-se. É por estes momentos que perdura, ensaio após ensaio, meses a fio sem que nunca aconteça nada, apenas para poder chegar a testemunhar momentos como este, em que o Nada acontece, ou em que ninguém vem dançar:

–Que bom. Vai e dança isso!

Clara demora-se. Fica deitada no chão, de olhos fechados, à espera. Ella não a apressa, que esta é uma espera ativa, um silêncio de quem se prepara para ouvir. Faz sinal aos outros para estarem sossegados. Há uma sonoridade difícil de traduzir. Ella toma notas:

Há imensa coisa a acontecer no aparente não-acontecer-nada que a rodeia. Escreve no cadernito."

BÉRTHOLO, Joana in O LAGO AVESSO, 2013:129

Comentários

Graça Pires disse…
Gostei do "ritual de abertura e de boas-vindas, o de a cada manhã se reunirem em volta de um círculo imaginado". Gostei da "sonoridade difícil de traduzir". Gostei da dança e do "aparente não-acontecer-nada.
Beijos
cs disse…
Se gostou disso tudo nao perca o livro (em forma de tese) da Joana Bértholo. É uma mais valia determinate para esses "gostos" todos :)
Anónimo disse…
Que maravilha!!! Como compreendo esse não dançar... Transponha para a música e imagine as minhas manhãs ;) quando está frio, a voz não sai, os dedos não conseguem tocar nas teclas do piano... Um bom paralelismo ;)
excelente entrada com este texto em 2014! Um ano cheio de sensibilidade, criatividade e boas vivências, São os meus votos. Beijinhos
Lua (
cs disse…
Lua
Um abraço apertadinho e desejo de um Bom Ano!
Cs
cs disse…
Lua
Um abraço apertadinho e desejo de um Bom Ano!
Cs

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