Adolf Eichmann é um monstro consciente do
extermínio dos judeus ou um eficiente burocrata?
É a partir daqui que leio o excelente trabalho de
Margarethe von Trotta "Hannah Arendt ".
Este personagem é um louco amante da maldade ou
personifica a “banalização do mal”?
Todo o filme decorre num ambiente apaixonante,
revelador duma época em que os inteletuais eram as estrelas com honras de primeira
página (agora, tristemente empurrados para as revistas de alguns semanários),
uma mistura de fumo de cigarro e tertúlias entre académicos e ou boémios. Uma
certa esquerda pensante e , à sua maneira, militante.
O filme tem o julgamento de Eichmann como veículo
processual para algo mais doloroso para os judeus. A sua consciência para o que
na verdade aconteceu.
Da teoria de Hanna Arendt, tenho em memória, a divisão em 3 níveis a vida humana:
1- o trabalho que
assegura a vida biológica, comum a humanos e outros;
2- a obra, a
produção, o acto humano que une os humanos entre si e ao mundo;
3- e por fim, a
política. Esta, o nível que obriga os
humanos, nas suas inter relações, a
exporem-se entre si de uma maneira pública.
As questões
que o filme coloca são: como pode ter acontecido e o que aconteceu na verdade
com este extermínio? E que punição deve ter Eichmann?
Hanna, num
trabalho para o New Yorker, começa por descrever e ponderar no espaço ocupado
pelo réu. Eichmann encontra-se durante
o julgamento numa caixa de vidro para o proteger dos participantes no processo.
É a olhar a “jaula de vidro” que ouve um role de histórias
horrendas de sobreviventes do holocausto.
Releva também a filósofa, o papel do Procurador
Geral, numa postura quase de competição, pelo papel principal, com o próprio
Eichmann. Interroga-se sobre alguma
encenação que rodeia o julgamento. Comenta o facto com um velho amigo sionista.
Dessa conversa fica-nos a ideia seguinte: os mais jovens não querem enfrentar o
“lado negro” do holocausto; sentem alguma vergonha em saber a verdade, o medo de comportamentos menos honrados já
que só poderiam ter sobrevivido aos campos
os criminosos e as prostitutas.
Hanna esperava encontrar em Eichmann um “monstro”
mas o que encontra é um velho e anorético burocrata, atrás de uns óculos de
massa preta, que surge documentado com todas as ordens que devia cumprir, na
disciplina que era a cadeia hierárquica. Um velho burocrata que insiste que
nunca prejudicou nenhum judeu. Cumpriu ordens.
Arendt tem claro para si que aquele homem não é um
louco, não existia patologia para entender tal formato. Arendt defende que
aquele homem nunca assassinaria um seu superior para lhe ficar com o cargo, por
exemplo. Não era mefistofélico o seu carácter.
Para Arendt, aquele era uma personagem
“impensante”. Apenas uma personagem
orientada pelos princípios de eficiência
e obediência que substituíam a consciência . A noção clássica do mal – inveja e vingança,
entre outras – não existe, antes uma “banalidade do mal ” cujas consequências são
devastadoras.
No SPIEGEL, num recente artigo, e por causa deste
filme, perguntava-se: nas sociedades
modernas, que significado tem esta “banalidade do mal”, que não lhe tem
associada nenhuma patologia, mas que se desenvolve numa divisão do trabalho
sofisticada e muito tecnicista? A quem vamos responsabilizar pelas mortes
provocadas pelos drone? Quem carrega no botão ou alguém mais distante?
Mesmo existindo teorias de que Eichmann foi um
farsante em Israel, Arendt acreditava nele. É inquietante.
Um filme excelente. Uma realização excelente. Uma
abordagem excelente.
Uma BARBARA SUKOVA excelente.
Só espero que seja o pontapé de saída para vermos
outras teorias, outros filósofos.
cs
cs
(apoiado
num artigo do jornal SPIEGEL e “A Condição do Homem Moderno”, de 1958, Hanna
Arendt)
Comentários
concordo consigo e fiz questão de o referenciar no texto. Talvez não tenha ficado muito explicito, mas era isso mesmo que queria relevar neste parágrafo.
"Mesmo existindo teorias de que Eichmann foi um farsante em Israel, Arendt acreditava nele. É inquietante."